D'Elboux, um soldado valoroso Luís Roberto de Francisco Um homem não é aquilo que tem mas o que é por dentro, a beleza que é capaz de transmitr. Conheci bem o Padre Luiz Gonzaga da Silveira D'Elboux SJ e não posso deixar de compartilhar o quanto sinto pela sua partida, em 10 de março último. Era um intelectual completo, um homem capaz de discutir assuntos diversos em profundidade. Não se tratava de cultura enciclopédica, mas de conteúdo complexo. Das línguas, sua estrutura morfológica e sintaxe aos recantos do fundo do mar, da fauna, da flora, da construção civil, do futebol, do pensamento e das coisas da Igreja, parece que esse homem sabia de tudo, conhecia tudo, discutia tudo. Convivemos juntos por dez anos. Foram os mais importantes da minha vida. Que homem admirável! Passou em Itu a terceira parte da existência, quando talvez já deveria descansar dos 40 anos bem servidos à Companhia de Jesus. D'Elboux não era disso. Sua energia o movimentava, reorganizando movimentos da igreja do Bom Jesus, fazendo obras, festas, escrevendo muito, que sempre foi o seu papel principal. No púlpito prendia a atenção de multidões. Nós crianças, então, éramos os principais ouvintes. Parecia que ele tinha um magnetismo; sua retórica, longe de ser enfadonha, nos fazia atentos aos conceitos abstratos da religião, conceitos que ele desconstruia e reelaborava para nós, pequenos. Sempre o tive como mestre. Eu, aprendiz, sonhei um dia ser como ele... os tempos mudam, a vida da gente se transforma, mas isto ficou latente! Padre D'Elboux ingressou na Companhia de Jesus com catorze anos, fugindo de casa, em busca de um ideal. Estudou quase vinte anos, preparando-se para o sacerdócio, fosse onde fosse. Preparou-se como um soldado, para o exército de Loyola e lutou bravamente até quando pôde. Escreveu três livros importantes para a Igreja, o mais conhecido, Doutrina Católica, um compêndio em linguagem de catecismo para adultos, que até hoje é indicado e utilizado nos melhores seminários brasileiros. Além deste o Dialogando Francamente, compilando artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro nos anos 60, material polêmico que elucidava verdades e erros da Igreja, na transição do Concílio Vaticano II. Mas o que mais me chamou a atenção foi a biografia do Padre Leonel Franca, fundador da PUC do Rio. Merecia nova edição.São 535 páginas de texto; resultado de pesquisa minuciosa e leitura agradável, sobre a vida do grande jesuíta. Confesso que esta obra me influenciou na escolha da profissão. Na verdade, vê-lo trabalhar e pesquisar, me fez estudar História. Acho que não é à toa que o tema de Mestrado que desenvolvo é a Companhia de Jesus. Mas o melhor mérito do velho soldado era o despojamento, a disciplina interior por nada, possuir, a nada se apegar, nada ser, por estar disposto a qualquer missão, fosse onde fosse e como fosse. Na quarta-feira, 27/02, estivemos juntos pela última vez. Padre José Ignácio Sonsini (um fruto do seu trabalho e eu fomos nos despedir dele. Partia de Itaici, o monumental edifício que ele construiu, para passar o resto da vida em Belo Horizonte, na Casa de Saúde dos jesuítas. Encontramo-lo apreensivo com a viagem, triste com a partida, mas obediente à Companhia de Jesus, à qual jurou fidelidade setenta anos atrás. Vi a sua mala: pouca roupa, um par de chinelos, nenhum livro e a boina, inseparável, melhor memória dos meus tempos de menino. Arrancado da tranqüilidade dos seus, daqueles que conhecia bem, submeteu-se à viagem e à casa nova, para a qual não estava preparado, na altura de seus oitenta e cinco anos. A energia de sempre lhe faltou. Tombou longe, com o coração sentido. A Igreja e a Companhia deveriam se orgulhar muitíssimo desse soldado valoroso. Até o fim da vida se manteve fiel aos seus princípios, àquilo que acreditou. Se foi intransigente, se se mostrou combativo, se era conhecido em todo o clero como homem polêmico é porque nunca se calou diante daquilo que foi levado a acreditar. Esse caráter incorrupto marcou a vida que agora se encerra. É um exemplo para os ituanos, para a gente da sua terra, para a comunidade do Bom Jesus que sempre esteve com ele, desde a infância na Cruzada Eucarística até na conversa do nosso último encontro. Mesmo triste, estou satisfeito. Finalmente o velho soldado, meu amigo, chegou à vitória. (artigo publicado no periódico: SALVE MARIA - Itu, abril de 2002)